segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Pedagogia da Autonomia


O que mais me chama a atenção em "Pedagogia da Autonomia", de Paulo Freire, é a sua intensidade. E é uma intensidade perturbadora. Perturbadora no sentido de fazer refletir, de rever conceitos, de quebrar paradigmas...

E é com essa constatação em mente que conduzo estes comentários. Não me proponho, portanto, a um resumo ou a uma resenha, quero apenas expressar o que me perturbou como combustível para a reflexão.

E foi a politicidade que permeia toda a obra que mais me perturbou.

A educação não é neutra, como muitos de nós podemos levianamente imaginar. "Ela é política". O educador não pode fechar os olhos para a realidade sócio-econômica que o envolve, para o ambiente onde se insere sua prática pedagógica. Nas próprias palavras de Paulo Freire "não é possível à escola, se, na verdade, engajada na formação de educandos educadores, alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos”.

O educador precisa perceber qual a "leitura do mundo" que os grupos com os quais trabalha fazem de seu ambiente. Cabe ao educador provocar e estimular novas formas de compreensão desse contexto, com o cuidado para, de um lado, não se “converter” ao saber ingênuo desses grupos e, de outro, não impôr-lhes o seu entendimento.

O educador precisa, portanto, tomar uma posição, escolher. Não pode se esconder atrás do véu da neutralidade.

Além disso, o educador deve respeitar a autonomia, a dignidade e a identidade do educando.

Cuidado, entretanto, com a simples conferência de autonomia. "Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir". E é aí que age o educador. Considerando que a autonomia é um processo, que vai se constituindo com a experiência das decisões que se toma, a pedagogia da autonomia deve estimular a decisão e a responsabilidade dos educandos.

Outro ponto importante, que considero como alicerce de grande parte das idéias expostas no livro, é a consciência do inacabamento do ser humano e do futuro como problema e não como inexorabilidade.

É a partir dessa consciência, confrontada com a consciência do mundo que nos envolve, que mergulhamos num constante processo de busca, que torna a educação um processo permanente e desafiador.

"O mundo não é. O mundo está sendo". É nessa linha é que o educador deve programar sua ação político-pedagógica. A História é uma possibilidade e não uma determinação. Não somos apenas objeto dela, mas também seu sujeito, que constata o que ocorre e que intervém para mudar.

E é daí que vem a politicidade da educação. Da educabilidade do ser humano decorrente de sua inconclusão consciente.

E é esta percepção do homem como ser "programado” para aprender e, portanto, para ensinar, para conhecer, para intervir, que torna a prática educativa um “exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos."

E aqui, cabe destacar uma frase de Paulo Freire: "O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica."

Algumas outras dezenas de aprendizagens derivadas podem ser construídas a partir dos estímulos de Paulo Freire.

Talvez a mais relevante é a de que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção." Além disso, a tarefa docente não pode ser encarada apenas como o ensinamento de conteúdos. Ela também deve abranger o ensinamento de como pensar certo além de se preocupar com a formação moral do educando.

O educador deve apoiar o educando para que ele mesmo supere suas dificuldades na compreensão. Só assim, com o êxito dessa compreensão, é que sua curiosidade é mantida e estimulada a continuar na busca permanente que é o processo de conhecimento.

Encerro com uma pequena passagem do livro, que considero uma síntese bastante aproximada desta grande obra político-pedagógica: “Este é outro saber indispensável à prática docente. O saber da impossibilidade de desunir o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. De separar prática de teoria, autoridade de liberdade, ignorância de saber, respeito ao professor de respeito aos alunos, ensinar de aprender“.

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