segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Hoje me deparei com um artigo interessante de Francisco Imbernón, Professor da Universidade de Barcelona (Espanha), sob o título de "Educar nas cidadanias para um futuro melhor", do qual extraí alguns trechos que refletem bem qual a perpectiva do autor em relação ao futuro da educação no contexto de um mundo em constante processo de mudança e desenvolvimento.

"A extensão da escolarização democrática dos povos foi - e continua sendo - uma grande conquista social não isenta de conflitos. Contudo, não foi alcançada por todos. Existem centenas de milhões de meninos e meninas que não podem exercer seu direito a uma escolaridade sistemática e continuada. [...] Dotar os povos da palavra (da escrita e da leitura, como metáfora) é importante para o seu desenvolvimento, mas não suficiente. É necessário que disponham também de espaços para exercer a prática política, como cidadãos e cidadãs, em sua própria defesa.

Cada vez mais consciente das limitações da escolarização, quero acrescentar a essa nova educação do futuro a análise das diversas cidadanias, que permita introduzir uma nova perspectiva educacional centrada na aprendizagem da convivência. [...] .

Circula na sociedade ocidental um discurso grandiloqüente sobre a velocidade vertiginosa das mudanças sociais [...]. Paradoxalmente, a mudança é a única coisa que podemos considerar estável [...].

De todas essas mudanças propaladas, deveríamos extrair as mais evidentes, que penetraram de forma direta ou indireta, voluntária ou obrigatória, incisiva ou intensa, nas relações mais próximas entre os seres humanos e que influirão nos aspectos educacionais.

Poderíamos destacar a globalização ou mundialização, não apenas da economia; o crescimento das desigualdades; as inovações provocadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, mas também o novo analfabetismo que estão gerando; os novos horizontes na pesquisa científica básica e aplicada; as diferenças funcionais e complexas da sociedade/Estado, rompendo a estabilidade familiar e social do mundo moderno (em diversos campos, como a educação, a economia, a família, a política, etc.).

[...]

Nos últimos anos, as mudanças foram tão rápidas e tão abruptas – e continuarão sendo em um futuro próximo – que, como dizia anteriormente, não apenas deixaram muitas pessoas desorientadas, entre as quais os educadores, gerando inclusive um certo desamparo, como também abriram uma brecha desconcertante entre aquilo que é objeto da educação e o que realmente deveria ser objeto da educação.

O fato é que essas mudanças levaram ao surgimento de novos ambientes educacionais e, vale acrescentar, a políticas educacionais que na verdade são impostas, sem aceitar negociações, o que fez com que muitos educadores se apegassem às suas tradições, à sua ordem segura, estabelecendo barreiras impenetráveis à nova situação, ou exigindo voltar ao habitat cultural onde se sentiam à vontade.

Ainda que seja compreensível, essa construção de barreiras psicológicas com repercussão nas reivindicações educacionais, que pode levar a construir trincheiras muito profundas, ela não é consciente e desconhece que o futuro é um caminho sem volta e que, em vez de nos apegarmos às velhas idéias e concepções do passado, temos de lutar contra nós mesmos e contra os outros para compreender, interpretar e construir, do nosso posto, uma educação diferente.

Para isso, é preciso buscar outros referenciais que nos permitam uma nova organização e uma nova metodologia de trabalho na educação, pois aquela que vigorou durante tantos anos, embora fosse útil em uma época, hoje se tornou obsoleta. [...] As novas cidadanias podem ser esse importante referencial de que necessitamos para construir uma nova educação.

As vicissitudes sociais e políticas do século XX repercutiram em uma grande desideologização.

Uma de suas conseqüências é o questionamento de tudo o que se relaciona com o público, extinguindo a fronteira com o privado, que era tão nítida na modernidade. Hoje, para muitas pessoas, a identificação com uma determinada ideologia desapareceu. [...]. Esse fato comporta um grande perigo para a educação e para a instituição educacional: cair na falta de compromisso e acabar assumindo as contradições existentes entre o mundo real e o ensinado como algo inevitável.

Além disso, a educação também pode fazer parte de um cenário no qual predomine a lógica do mercado, com seus interesses economicistas (cliente e não cidadão), e de rendimento quantitativo (você vale quanto consome), e no qual se recupere, com certa normalidade, a velha concepção da neutralidade do aparelho educacional, sabendo que tal neutralidade não existe nem é plausível – uma suposta neutralidade, que tende ainda a beneficiar determinadas ideologias não-comprometidas com a mudança social em detrimento da maioria da população.

Ao contrário, enfrentando-se essa realidade, vão surgindo novos interesses, novos atores sociais e formas diferentes de analisar os contextos sociais concretizados em movimentos, grupos, encontros, comunidades, ONGs, que começam a perfilar um novo discurso democrático no qual a educação volta a ter um grande envolvimento, a ser um instrumento para estender e aprofundar esse discurso democrático.

Trata-se de uma nova ideologia que procura ser ouvida, que quer participar, que sabe criar redes e passar por cima das fronteiras. A perspectiva cidadã insere-se nela sem abandonar certos princípios ideológicos da tradição de luta por uma democracia real e também por uma instituição educacional integradora. [...].

O desafio da nova educação e da introdução das cidadanias é como estabelecer processos de revisão e de mudança no interior das instituições educacionais, de sua cultura organizacional, de sua metodologia, para que proporcionem aos cidadãos as capacidades que lhes permitam compreender e interpretar a realidade, realizar uma leitura crítica dos acontecimentos e do ambiente comunitário.

A educação deve ser capaz de proporcionar elementos que permitam alcançar uma maior independência de juízo, de deliberação e de diálogo construtivo. Deve ser capaz de ajudar a transformar as relações das pessoas com as novas sensibilidades (intercultural, ambiental, solidária, igualitária, etc.) que impregnaram a sociedade atual. E a educação das diferentes cidadanias pode ajudar a atingir esse objetivo de maneira substancial.

Nos últimos anos, e em quase todas as reformas educacionais de nosso ambiente cultural, surgiu o conceito de temas ou eixos transversais como elementos curriculares que se introduzem ao longo do processo de educação da infância para desenvolver novos conteúdos, assim como determinados valores. [...]

Olhando para frente, devemos arriscar mais, ser mais ousados e também mais beligerantes. Será que se pode negar que a matemática, a língua, a história, entre outros, são os verdadeiros temas ou eixos transversais no cotidiano? E, no entanto, o que nos permite viver melhor nossa humanidade relacional não seria isso que foi considerado transversal, como valores e instrumentos intelectuais básicos para qualquer âmbito e etapa da vida? Além disso, se na prática essa transversalidade integra-se na rotina curricular como algo fragmentado e marginal, seus efeitos podem ser os de uma educação placebo, na qual aparentemente se fazem coisas, mas estas não repercutem na educação a longo prazo, pois não têm valor de uso, não se aplicam nos contextos singulares das pessoas.

Por isso, neste artigo, mais do que falar de transversalidade (ou de temas transversais), preferi falar de cidadanias (como eixos fundamentais), dando ênfase às cidadanias que possibilitam, de modo predominante, aprender a conviver.

Nessas cidadanias, englobam-se todos os elementos curriculares da educação de valores e os conteúdos curriculares que promovem estruturas cognitivas, emocionais e éticas da educação – o que historicamente foi chamado de desenvolvimento de uma educação integral. É possível que, no futuro, as áreas curriculares tradicionais sejam assumidas por outros meios paralelos à instituição educacional e que caiba a ela, como valor específico, ensinar as novas cidadanias, já que estas dificilmente poderão ser ensinadas e aprendidas em outros âmbitos. Trata-se de um desafio muito importante para a educação do futuro e para o futuro da educação, que será depositada nas mãos dos educadores.

A educação nas cidadanias pretende desenvolver o aprendizado de viver juntos para a construção de uma verdadeira democracia. Ser cidadão é um processo que pode ser gerado por meio da educação e da cultura; ser cidadão ou cidadã se aprende e, portanto, pode ser ensinado. [...]. O direito à cidadania (à cidade) representa o direito à liberdade, à democracia, a uma nova maneira de viver o sistema social. Espero que a reflexão sobre essas novas cidadanias lance a semente necessária para ir construindo esses direitos de que há muito tempo falava Lefebvre."

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