domingo, 30 de setembro de 2007

O Sorriso de Monalisa

Assistimos em uma das aulas de Didática da semana passada ao filme “O Sorriso de Monalisa”, com Julia Roberts no papel principal, que conta a estória de uma professora liberal oriunda da Califórnia que vai ensinar, durante os anos 50, História da Arte em uma escola tradicional para meninas.

Em uma análise direcionada à identificação das tendências pedagógicas que se mostram ao longo da fita é possível distinguir duas situações aparentemente conflitantes: se por um lado, percebemos nas alunas, nas suas famílias, em grande parte dos professores, na concepção de educação e na direção da escola uma tendência pedagógica tradicional, por outro, a professora Katherine Watson (Julia Roberts) incorpora o que podemos chamar de tendência progressista.

A tendência pedagógica tradicional pode ser identificada em vários momentos do filme, especialmente na aula inicial da Profª Watson em que as alunas decoram previamente toda a lição que seria ministrada naquele dia, caracterizando o processo de ensino-aprendizagem como o binômio “verbalismo do professor x memorização do aluno”, uma das características da tendência mencionada.

A tendência pedagógica progressista, que no filme é capitaneada pelas ações solitárias da Profº Watson, tem também seus momentos marcantes. Talvez o mais simbólico desses momentos tenha sido a aula realizada em um depósito, fora do ambiente escolar tradicional, onde as alunas foram estimuladas a construírem suas próprias opiniões sobre arte moderna, sem a influência de livros e mestres.

A grande lição que se extrai dessa estória é que não há o lado certo nem o errado. O professor deve saber escutar o ambiente que o envolve. A sociedade, a família e a escola que o circundam são elementos que devem ser considerados na elaboração de sua proposta pedagógica, pois estão em constante interação com a sua sala de aula. E parece que, no filme, tal lição começou a ser aprendida...

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Hoje me deparei com um artigo interessante de Francisco Imbernón, Professor da Universidade de Barcelona (Espanha), sob o título de "Educar nas cidadanias para um futuro melhor", do qual extraí alguns trechos que refletem bem qual a perpectiva do autor em relação ao futuro da educação no contexto de um mundo em constante processo de mudança e desenvolvimento.

"A extensão da escolarização democrática dos povos foi - e continua sendo - uma grande conquista social não isenta de conflitos. Contudo, não foi alcançada por todos. Existem centenas de milhões de meninos e meninas que não podem exercer seu direito a uma escolaridade sistemática e continuada. [...] Dotar os povos da palavra (da escrita e da leitura, como metáfora) é importante para o seu desenvolvimento, mas não suficiente. É necessário que disponham também de espaços para exercer a prática política, como cidadãos e cidadãs, em sua própria defesa.

Cada vez mais consciente das limitações da escolarização, quero acrescentar a essa nova educação do futuro a análise das diversas cidadanias, que permita introduzir uma nova perspectiva educacional centrada na aprendizagem da convivência. [...] .

Circula na sociedade ocidental um discurso grandiloqüente sobre a velocidade vertiginosa das mudanças sociais [...]. Paradoxalmente, a mudança é a única coisa que podemos considerar estável [...].

De todas essas mudanças propaladas, deveríamos extrair as mais evidentes, que penetraram de forma direta ou indireta, voluntária ou obrigatória, incisiva ou intensa, nas relações mais próximas entre os seres humanos e que influirão nos aspectos educacionais.

Poderíamos destacar a globalização ou mundialização, não apenas da economia; o crescimento das desigualdades; as inovações provocadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, mas também o novo analfabetismo que estão gerando; os novos horizontes na pesquisa científica básica e aplicada; as diferenças funcionais e complexas da sociedade/Estado, rompendo a estabilidade familiar e social do mundo moderno (em diversos campos, como a educação, a economia, a família, a política, etc.).

[...]

Nos últimos anos, as mudanças foram tão rápidas e tão abruptas – e continuarão sendo em um futuro próximo – que, como dizia anteriormente, não apenas deixaram muitas pessoas desorientadas, entre as quais os educadores, gerando inclusive um certo desamparo, como também abriram uma brecha desconcertante entre aquilo que é objeto da educação e o que realmente deveria ser objeto da educação.

O fato é que essas mudanças levaram ao surgimento de novos ambientes educacionais e, vale acrescentar, a políticas educacionais que na verdade são impostas, sem aceitar negociações, o que fez com que muitos educadores se apegassem às suas tradições, à sua ordem segura, estabelecendo barreiras impenetráveis à nova situação, ou exigindo voltar ao habitat cultural onde se sentiam à vontade.

Ainda que seja compreensível, essa construção de barreiras psicológicas com repercussão nas reivindicações educacionais, que pode levar a construir trincheiras muito profundas, ela não é consciente e desconhece que o futuro é um caminho sem volta e que, em vez de nos apegarmos às velhas idéias e concepções do passado, temos de lutar contra nós mesmos e contra os outros para compreender, interpretar e construir, do nosso posto, uma educação diferente.

Para isso, é preciso buscar outros referenciais que nos permitam uma nova organização e uma nova metodologia de trabalho na educação, pois aquela que vigorou durante tantos anos, embora fosse útil em uma época, hoje se tornou obsoleta. [...] As novas cidadanias podem ser esse importante referencial de que necessitamos para construir uma nova educação.

As vicissitudes sociais e políticas do século XX repercutiram em uma grande desideologização.

Uma de suas conseqüências é o questionamento de tudo o que se relaciona com o público, extinguindo a fronteira com o privado, que era tão nítida na modernidade. Hoje, para muitas pessoas, a identificação com uma determinada ideologia desapareceu. [...]. Esse fato comporta um grande perigo para a educação e para a instituição educacional: cair na falta de compromisso e acabar assumindo as contradições existentes entre o mundo real e o ensinado como algo inevitável.

Além disso, a educação também pode fazer parte de um cenário no qual predomine a lógica do mercado, com seus interesses economicistas (cliente e não cidadão), e de rendimento quantitativo (você vale quanto consome), e no qual se recupere, com certa normalidade, a velha concepção da neutralidade do aparelho educacional, sabendo que tal neutralidade não existe nem é plausível – uma suposta neutralidade, que tende ainda a beneficiar determinadas ideologias não-comprometidas com a mudança social em detrimento da maioria da população.

Ao contrário, enfrentando-se essa realidade, vão surgindo novos interesses, novos atores sociais e formas diferentes de analisar os contextos sociais concretizados em movimentos, grupos, encontros, comunidades, ONGs, que começam a perfilar um novo discurso democrático no qual a educação volta a ter um grande envolvimento, a ser um instrumento para estender e aprofundar esse discurso democrático.

Trata-se de uma nova ideologia que procura ser ouvida, que quer participar, que sabe criar redes e passar por cima das fronteiras. A perspectiva cidadã insere-se nela sem abandonar certos princípios ideológicos da tradição de luta por uma democracia real e também por uma instituição educacional integradora. [...].

O desafio da nova educação e da introdução das cidadanias é como estabelecer processos de revisão e de mudança no interior das instituições educacionais, de sua cultura organizacional, de sua metodologia, para que proporcionem aos cidadãos as capacidades que lhes permitam compreender e interpretar a realidade, realizar uma leitura crítica dos acontecimentos e do ambiente comunitário.

A educação deve ser capaz de proporcionar elementos que permitam alcançar uma maior independência de juízo, de deliberação e de diálogo construtivo. Deve ser capaz de ajudar a transformar as relações das pessoas com as novas sensibilidades (intercultural, ambiental, solidária, igualitária, etc.) que impregnaram a sociedade atual. E a educação das diferentes cidadanias pode ajudar a atingir esse objetivo de maneira substancial.

Nos últimos anos, e em quase todas as reformas educacionais de nosso ambiente cultural, surgiu o conceito de temas ou eixos transversais como elementos curriculares que se introduzem ao longo do processo de educação da infância para desenvolver novos conteúdos, assim como determinados valores. [...]

Olhando para frente, devemos arriscar mais, ser mais ousados e também mais beligerantes. Será que se pode negar que a matemática, a língua, a história, entre outros, são os verdadeiros temas ou eixos transversais no cotidiano? E, no entanto, o que nos permite viver melhor nossa humanidade relacional não seria isso que foi considerado transversal, como valores e instrumentos intelectuais básicos para qualquer âmbito e etapa da vida? Além disso, se na prática essa transversalidade integra-se na rotina curricular como algo fragmentado e marginal, seus efeitos podem ser os de uma educação placebo, na qual aparentemente se fazem coisas, mas estas não repercutem na educação a longo prazo, pois não têm valor de uso, não se aplicam nos contextos singulares das pessoas.

Por isso, neste artigo, mais do que falar de transversalidade (ou de temas transversais), preferi falar de cidadanias (como eixos fundamentais), dando ênfase às cidadanias que possibilitam, de modo predominante, aprender a conviver.

Nessas cidadanias, englobam-se todos os elementos curriculares da educação de valores e os conteúdos curriculares que promovem estruturas cognitivas, emocionais e éticas da educação – o que historicamente foi chamado de desenvolvimento de uma educação integral. É possível que, no futuro, as áreas curriculares tradicionais sejam assumidas por outros meios paralelos à instituição educacional e que caiba a ela, como valor específico, ensinar as novas cidadanias, já que estas dificilmente poderão ser ensinadas e aprendidas em outros âmbitos. Trata-se de um desafio muito importante para a educação do futuro e para o futuro da educação, que será depositada nas mãos dos educadores.

A educação nas cidadanias pretende desenvolver o aprendizado de viver juntos para a construção de uma verdadeira democracia. Ser cidadão é um processo que pode ser gerado por meio da educação e da cultura; ser cidadão ou cidadã se aprende e, portanto, pode ser ensinado. [...]. O direito à cidadania (à cidade) representa o direito à liberdade, à democracia, a uma nova maneira de viver o sistema social. Espero que a reflexão sobre essas novas cidadanias lance a semente necessária para ir construindo esses direitos de que há muito tempo falava Lefebvre."

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Parece que o quadro mostrado pelo Representante da Unesco em 2003 (ver postagem abaixo) não se alterou muito ao longo desses anos.
De acordo com artigo publicado na FolhaOnline em 18/9, outro estudo da OCDE, realizado em 2007 em 36 países, concluiu que o Brasil "investe pouco e mal em educação".
Em um dos quesitos, que mede quanto os países gastam por cada estudante por ano , o Brasil ficou em último na lista. São apenas US$ 1.303 (R$ 2.749), o que equivale a um décimo do valor empregado pelos Estados Unidos. O Chile, outro país da América do Sul a entrar na lista, investe US$ 2.864 (R$ 6.043).
As disparidades continuam quando se compara a quantidade de investimentos entre cada nível de ensino. O Brasil gasta por ano US$ 1.033 (R$ 2.179) por aluno no ensino médio, ocupando também o último lugar. No ensino fundamental, o país está em penúltimo, ficando à frente apenas da Turquia.
No nível superior, no entanto, o país está em outros patamares. Segundo o estudo, são US$ 9.019 (R$ 19 mil) por estudante por ano, deixando o Brasil no meio da lista, próximo a nações como Espanha e Irlanda, ambas na Europa, e à frente da Coréia do Sul, na Ásia.
Em termos de porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto), a situação brasileira também é ruim, ocupando a antepenúltima posição. O Brasil gasta 3,9% do PIB em educação, contra 8% de Israel, primeira colocada.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A escolha do título de um blog parece, em um primeiro momento, algo despretensioso. Resolvi, entretanto, que o título deste blog encerraria sua razão de existir, sua missão, seria um direcionador das discussões (no sentido pacífico da palavra) que se farão neste espaço.
O grande tema, é claro, é a educação.
Pretende-se, no entanto, que se aborde esse tema tendo em mente os diversos aspectos que se relacionam com o desenvolvimento, aqui, no seu sentido mais abrangente, contemplando o desenvolvimento econômico de uma nação, o desenvolvimento pessoal de um indivíduo, o desenvolvimento de uma sociedade - o desenvolvimento...
Nesse sentido, é que gostaria de iniciar transcrevendo um artigo escrito pelo Representante da Unesco no Brasil Jorge Werthein sob o título de "Educação e Desenvolvimento" (qualquer semelhança com o título deste blog é mera coincidência), publicado em novembro de 2003 na Revista Linha Direta - Ano 6 - Nº 68, que apesar do tempo decorrido, permanece bastante atual:

"Quando a UNESCO e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) divulgaram, em junho deste ano, uma avaliação, realizada em 41 países, sobre o desempenho de estudantes na faixa de 15 anos de idade, trouxe à tona não só as discrepâncias na área educacional entre países ricos e aqueles pobres e em desenvolvimento, mas, principalmente, as diferenças significativas entre algumas nações que enfrentaram o desafio das áreas de educação, ciência e tecnologia e as que deixaram de fazer os investimentos necessários.
Ao analisar países bem-sucedidos, como a Irlanda, a Espanha e a Coréia do Sul, que há 30 anos enfrentavam sérias dificuldades sócio- econômicas, notamos que em comum são nações que fizeram o dever de casa, priorizando o ensino de qualidade de sua população. Como recompensa, são países que registram hoje alto nível educacional, crescimento econômico, aumento da renda da população, maior volume de exportações e melhoria no nível do emprego, além de respeito internacional. Já alguns países como o Brasil e o Peru, que deixaram de promover as reformas educacionais na devida época, apareceram na pesquisa com resultados insatisfatórios e preocupantes.
A avaliação é um bom termômetro para analisarmos o quanto os investimentos em educação, ciência e tecnologia podem ser decisivos para o desenvolvimento humano, social e econômico de um povo, sobretudo em países onde a exclusão social é mais gritante. Sabemos que, no Brasil, existem enormes desafios a serem superados, como a falta de recursos financeiros suficientes, mas o próprio exemplo dos países 'vitoriosos' mostra que a revolução é possível. Ao analisar a pesquisa, o Ministro da Educação, Cristovam Buarque, observou que quando tais países fizeram a opção pela educação como setor prioritário, também passavam por dificuldades, assim como o Brasil hoje. 'A diferença é que contaram com uma coalizão suprapartidária capaz de construir a vontade política necessária para definir a prioridade nacional. O Brasil também pode', atesta Cristovam.
Para isso é necessário, porém, que o Brasil empreenda reformas educacionais urgentes que resultem na garantia do acesso generalizado à educação básica, no fim da cultura da repetência escolar, na melhoria da qualidade do ensino, na valorização do professor, na modernização da educação profissional e superior e no combate ao analfabetismo dentre outras relevantes medidas. Uma importante iniciativa de combate ao analfabetismo foi dada pelo Governo Federal ao lançar, em setembro, o Programa Brasil Alfabetizado, que pretende erradicar o analfabetismo do País em poucos anos.
Mas é preciso que a sociedade em geral comunidade, políticos, Organizações Não-Governamentais e iniciativa privada assumam um pacto nacional pela educação, que se traduza em um grande movimento brasileiro em prol da educação. Só com uma grande coalizão nacional será possível superar o conflito vivido hoje pelos países menos desenvolvidos na área de educação. Tais nações vivem um dilema: precisam resolver problemas não solucionados do século XX e correm contra o tempo para assumir os desafios emergentes que surgem com o século XXI, dos quais dependem o crescimento econômico, a equidade social e a integração cultural em um mundo globalizado e cada vez mais competitivo. Como, por exemplo, universalizar a inclusão digital e assegurar o acesso a novas tecnologias de informação e comunicação em lugares onde ainda existem crianças fora da escola, jovens e adultos analfabetos? Não dá para abandonar uma causa e priorizar a outra. Ambas iniciativas são igualmente importantes e precisam ser enfrentadas com vigor pelos governos, pela sociedade e pelos países que reconhecem a importância da cooperação internacional como caminho para se diminuir a pobreza e a exclusão social no mundo. Os países mais ricos poderiam dar grande contribuição à educação das nações menos desenvolvidas, sobretudo se fosse aceita a proposta brasileira de conversão de parte do pagamento da dívida externa em investimentos nas áreas de educação, ciência e tecnologia. A proposta foi apresentada durante a 32ª Conferência Geral da UNESCO, em Paris.
Como bem lembrou o Diretor Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, em palestra sobre 'Educação para Todos e Desenvolvimento Sustentável nos Países Menos Desenvolvidos', proferida em Bruxelas, em 2001, 'a educação deixou de ser apenas um direito fundamental consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a que todo ser humano pode aspirar, legitimamente, para a sua realização pessoal. Ela passou a ser precondição essencial para qualquer tipo de desenvolvimento, para a redução da taxa de desemprego e da pobreza, para o progresso social e cultural, para a promoção de valores democráticos e para o estabelecimento de uma paz duradoura'.